segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O eleitor e os corruptos

Escrito em 07 de agosto de 2008, às 15h19, por Juremir Machado da Silva - CP


Não adianta negar: tem eleitor que adora candidato corrupto. Vamos ser sinceros: tem eleitor que não pode ver um corrupto sem lhe oferecer o seu voto. Vamos ser absolutamente francos: tem eleitor que vota em corrupto até de graça. Só pela simpatia. Por admiração. Se duvidar, aparece eleitor com inscrição na camiseta: eu amo o meu corrupto.
Não é por acaso que cada governo, mesmo com todos os escândalos de corrupção, se vangloria dos seus feitos e toca em frente. FHC comprou a emenda que lhe permitiu a reeleição? Ah, mas ele estabilizou a moeda. Houve uma roubalheira nas privatizações? Certo, mas o país ficou melhor, com mais telefones e uma economia mais dinâmica. Teve mensalão no primeiro governo do atual presidente? Ah, mas ele fez o ProUni, o Bolsa-Família e ainda manteve o Brasil no bom rumo econômico.Se fizer algo de bom, pelo jeito, pode até roubar. A prova de que tem eleitor doido por um corrupto é a bem-sucedida carreira política de Paulo Maluf.
A Folha de S. Paulo publicou, no último domingo, um interessante levantamento de dados sobre candidatos a prefeito, com ficha suja, na eleição de 2004. Pois não é que 50% dos com alguma culpa no cartório foram reeleitos? Eleição de prefeito é aquela da proximidade. Cada um pode conhecer bem os currículos dos candidatos. Não tem mistério. Na maioria dos municípios brasileiros, de pequeno porte, os candidatos são mais conhecidos do que erva ruim ou, mais precisamente, como erva ruim. Mas se reelegem. A única explicação plausível para isso é que o eleitor já conhece os seus golpes e não quer correr o risco de surpresas. Corrupto por corrupto, fica-se com o de estimação.
Segundo a Folha, Antônio Calmon (PFL) reelegeu-se em São Francisco do Conde, Bahia, apesar de responder a processo por superfaturamento, uso de apartamento de uma empreiteira e fraude em licitações. Tudo coisa simples. O sujeito concorreu na chapa O Progresso Não Pode Parar e foi recompensado com um novo mandato. A hipocrisia e o cinismo também não podem parar. Mas deviam.
Os nomes das coligações e das frentes, em geral, indicam o vazio das propostas e o artificialismo das estratégias dos marqueteiros. É só criar um slonganzinho aqui e uma novidadezinha ali para que o produto seja vendido. Esse tal Calmon 'pagou R$ 629 mil por 4,3 milhões de elásticos para prender dinheiro, nunca entregues'. Não dá para saber se o dinheiro ou os elásticos.
O caso mais interessante divulgado pela Folha de S. Paulo foi o de Hércules Ribeiro, reeleito para a Prefeitura de Pitimbu, na Paraíba, depois de ter sido acusado de pagar a uma empreiteira pela perfuração de um poço já aberto.
Faz sentido. Assim como tem vaca que esconde o leite, tem poço que, mesmo aberto, esconde a água. Aí só tem um jeito para resolver os dois casos, tanto o da vaca quanto o do poço: mamar, sugar, chupar. Chega uma hora em que o líquido começar a jorrar. O eleitor, percebendo tanta criatividade e persistência, recompensa com votos. Há quem, em todos os níveis da sociedade, receba algum leite em troca da vaca ou alguma vaca em troca do leite. A política é um poço sem fundo. Quanto mais fura, mais tem a furar. E a pagar pelo furo. Eleitor apaixonado por corrupto é pior do que homem ou mulher que se apaixonam por canalha. É amor sem fim. Aconteça o que acontecer, a pessoa quer mais e dá uma nova chance. Só acaba na urna.
Nota sobre o autor: Juremir Machado da Silva - Nascido em 1962 na cidade gaúcha de Santana do Livramento, Juremir é escritor, jornalista e historiador. É doutor em Sociologia pela Universidade René Descartes, Paris V, Sorbonne. Em Paris, de 1993 a 1995, foi colunista e correspondente do jornal Zero Hora. Atualmente, além de coordenador do Programa de Pós-graduação em Comunicação da PUC-RS, assina uma coluna duas vezes por semana no jornal Correio do Povo de Porto Alegre-RS.

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